sábado, 18 de fevereiro de 2012

Ainda sobre a liberdade de escolha

Imaginem a tortura a que ficará submetido, por exemplo, o sujeito, como a maioria de nós, de cultura mediana, sem grande interesse pelo dito "cinema autoral", que tiver que assistir a esses filmes em que a câmara fixa um determinado plano, longamente, como um carro de boi cantando pela estrada, uma vela queimando na mesa de cabeceira, os gestos do ator com as mãos etc.

LIBERDADE DE ESCOLHA E DE EXPRESSÃO

Está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade da Lei 12.485/2011, que, entre outras coisas, abre às empresas de telefonia o acesso às TV por assinatura, o que é uma boa medida, apesar da má qualidade dos serviços que elas prestam ao público, desde que observados os procedimentos próprios para tal autorização.


Porém, mesmo os que não têm  simpatia por essas empresas e por aquelas que operam as tais TVs por assinatura, ficam numa situação de perplexidade, diante do fato de que a lei submete ao Estado o controle desses meios de comunicação, conferindo poderes a uma agência estatal para controlar inclusive o conteúdo dos programas veiculados, fixando cotas para a exibição de produções nacionais..

Quem assina uma TV desse tipo, pagando caro, diga-se de passagem,  exerce simples direito de escolha (manifestação da vontade), cujo exercício sequer necessita previsão legal. As pessoas, quando contratam, como na espécie, escolhem livremente o que melhor lhes aprouver, não lhes sendo lícito fazê-lo apenas quando a escolha se revelar contrária aos costumes majoritariamente adotados pela sociedade, à moral comum e às leis.

Como, então, poderá o sujeito ter restringido, pelo Estado, o seu direito de assistir à programação do canal de TV fechada, tal como  lhe foi oferecida? É razoável que alguém, um terceiro, agente estatal, arbitre aquilo que o sujeito pode, independentemente de cotas, assistir? 

A hipótese é de solução tão simples e clara, do ponto de vista do cidadão, que nem é preciso invocar o direito positivo brasileiro. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, por exemplo, diz o seguinte, em seu artigo XIX: "Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras."



domingo, 5 de fevereiro de 2012

AINDA SOBREAVISO

Provocado via e-mails, digo o seguinte: todos são livres para expressar as suas opiniões, por mais que sejam consideradas burras.

A verdade é que os tais meios telemáticos e informatizados são corriqueiramente usados como MEIO DE PROVA DOCUMENTAL para atestar não só a existência de relação de emprego, como, também, por exemplo, o direito do empregado à remuneração de horas extraordinárias.

Procurem estudar. Os meios, aí (na nova redação do art. 6º da CLT), não passam de meros meios de prova, como qualquer outro, para demonstrar que a situação de fato ocorrente (fattispecie), é suficiente,SE FOR O CASO, para atrair a incidência das regras do direito positivo respeitantes ao reconhecimento de vínculo empregatício, ao direito à remuneração de horas extras etc..

Penso, por essa razão, que a situação típica prevista pela norma aplicável aos ferroviários não se configurará - e, portanto, não poderá ser razoavalemente aplicada por analogia a outros casos -pelo só fato de empregado e empregador se comunicarem pelos referidos meios ou qualquer outro. Será necessário que a situação de fato, em cada caso concreto, se assemelhe à do ferroviário, segundo a moldura daquela norma.

Em direito civil, os alemães costumam ser mais precisos: fattispecie pr'a eles é tatbestand. Lembrem-se, quanto à precisão desses chatos alemães, das lições de Brinz sobre os momentos da obrigação: schuld (débito) e haftung (responsabilidade), essenciais, entre outras coisas, mas fundamentalmente, para que se entenda o fenômeno prescricional. Ninguém, nisso incluindo principalmente todos os "gramáticos" (leia-se complicadores) do direito, foi capaz de tão bem revelar esse fenômeno.


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

SOBREAVISO TEM POLÊMICA

Perguntam-me se o entendimento do Enunciado 428 da Súmula do TST deve sofrer alteração, como alguns cogitam, em virtude da edição da Lei 12.551 que alterou a redação do art. 6º da CLT.

Passo a examinar a questão, primeiramente transcrevendo o dispositivo da CLT, com a nova redação:

Art. 6o. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.”

O caput do dispositivo diz que não há distinção entre o trabalho realizado fora do estabelecimento do empregador, ou seja, no domicilio do empregado ou em qualquer outro lugar dele distante, para fins de reconhecimento da relação de emprego, desde que presentes os requisitos do art. 3º da CLT.

O art. 6º da CLT, na sua antiga redação, já contemplava o trabalho a domicílio, ao fixar que “Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que caracterizada a relação de emprego”.

No tocante ao trabalho realizado à distância, sequer havia, por razões óbvias, a necessidade de previsão legal em tal sentido, pois, elementarmente, independentemente do local onde o empregado prestar os serviços, isto é, dentro ou fora, perto ou longe do estabelecimento do empregador, considera-se empregado “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”

A meu ver, pois, o legislador, incorreu em demasia, como, aliás, é da nossa cultura, ao editar a norma, inclusive no tocante à regra do parágrafo único, segundo a qual “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.”

A subordinação jurídica é unanimemente considerada o traço mais característico da relação de emprego. Ao firmar um contrato de emprego, o trabalhador abre mão da liberdade de dirigir o seu próprio trabalho, assumindo a obrigação de sujeitar-se ao comando do tomador dos seus serviços, nisso consistindo a subordinação, diferentemente do que ocorre na prestação de serviços (ou locação de serviços, como seria mais próprio), regida pelo Código Civil, em que o sujeito (o autônomo) presta o trabalho segundo os seus próprios desígnios, geralmente no local e nos horários que ele próprio escolher, sem submissão a ordens ou determinações do tomador dos seus serviços.

A circunstância de o comando ser ou não exercido pessoal e diretamente pelo empregador não tem, em rigor, relevância para a configuração da relação de emprego. Pouco importa se esse poder de comandar, controlar e supervisionar a prestação de serviços é exercido pessoal e diretamente pelo empregador, ou, indiretamente, por qualquer outro meio, inclusive os tais “telemáticos e informatizados”.

Mensagens de e-mails, por exemplo, são amplamente utilizadas em Juízo para provar a existência de subordinação em ações trabalhistas versando o reconhecimento de relação de emprego. Assim é porque a noção estrita de subordinação hierárquica pessoal e direta perdeu, há muito tempo, o sentido originário, assente no pressuposto da existência de proximidade física entre o trabalhador e o tomador dos seus serviços como fator influente para a configuração dessa relação jurídica. É que, ao longo dos anos mais recentes, houve um inegável processo de desconcentração da atividade produtiva no tocante à sua dimensão espacial, naturalmente ajudada pelo surgimento das novas tecnologias da informação.

Obviamente, a utilização desses meios não se afigura suficiente para, por si só, configurar a relação de emprego. Tais meios serão aptos a tanto se restar demonstrado que a interlocução entre o trabalhador e o tomador dos seus serviços consubstancia hipótese de subordinação, revelando a transmissão de ordens, recomendações, orientações, cobrança de serviços etc.

Essa ordem de idéias também se aplica ao caso do sobreaviso. Ora, o empregado pode receber ordens, pelos tais “meios telemáticos e informatizados”, depois de encerrada a sua jornada de trabalho, e nem por isso estará de sobreaviso.

A matriz do sobreaviso é a regra do art. 244, § 2º, da CLT, que considera em tal situação “o empregado efetivo, que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço”, recebendo, em contrapartida, um adicional correspondente a 1/3 do seu salário normal.

O sobreaviso também está previsto na Lei 5.811/72, aplicável ao trabalho em atividades de exploração, perfuração, produção e refinação de petróleo, bem como na industrialização do xisto, na indústria petroquímica e no transporte de petróleo e seus derivados por meio de dutos.

De acordo com o art. 5º da referida lei, considera-se de sobreaviso o empregado que permanece no local de trabalho, à disposição do empregador, por um período de 24 (vinte e quatro horas) para prestar assistência aos trabalhos normais ou para atender às necessidades ocasionais de operação, recebendo, em contrapartida, o adicional de 20% sobre o salário básico.

Vê-se que o sobreaviso do ferroviário tem contornos próprios, em confronto com o do petroleiro. O primeiro fica em sua residência, em condições de ser, a qualquer momento, convocado para o serviço, enquanto o segundo permanece, em tais condições, no local de trabalho, sendo certo, ademais, que o critério de remuneração em um e outro caso também difere, pois o ferroviário recebe o adicional de 1/3 do valor do seu salário, ao passo que o petroleiro recebe 20% sobre a mesma base.

Impende notar que os tribunais trabalhistas costumam deferir o sobreaviso a outros profissionais, como eletricistas, por exemplo, mas quando o fazem é por aplicação analógica da regra do art. 244, § 2º, da CLT, atinente aos ferroviários, e não da regra do art. 5º da Lei 5.811/72, desde que, porém, esses profissionais se encontrem em situação típica semelhante, isto é, que permaneçam em suas residências, em estado de alerta, prontos para serem chamados, a qualquer momento, por qualquer meio de comunicação, não importa qual, a retornar ao serviço.

O que resta claro é que o meio utilizado pelo empregador para convocar o empregado é irrelevante para a caracterização do sobreaviso. Para tal caracterização, o que realmente importa é que o trabalhador se enquadre naquela situação fática de poder ser convocado para o serviço, mesmo quando se encontre em casa, depois de encerrada a sua jornada normal de trabalho.

Não por outro motivo, o TST erigiu o entendimento cristalizado no Enunciado 428 da sua Súmula, no sentido de que o uso de aparelhos de comunicação, a exemplo de bip, pager ou aparelho celular, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso, se não verificada aquela situação fática referida de que o empregado, podendo ser acionado por qualquer desses ou de outros meios, permanece em sua residência aguardando, a qualquer momento, convocação para o serviço.

O sobreaviso é um regime especial e sua razão de ser reside na natureza do trabalho para o qual o sujeito é contratado. Como proclamam a doutrina e a jurisprudência, nos períodos de sobreaviso, o empregado continua vinculado à empresa, tendo a sua liberdade restringida, ficando impossibilitado de usufruir plenamente o descanso que a legislação trabalhista normalmente assegura ao obreiro, porque a atividade por ele exercida é daquelas que pode, a qualquer momento, demandar a sua presença no(s) local (ais) de trabalho, como no caso do ferroviário com responsabilidades na solução de problemas emergenciais eventualmente ocorrentes na ferrovia. Em outras palavras: ao contratar a relação de emprego, o trabalhador sacrifica, além da liberdade de trabalhar ao seu talante (como o empregado faz ao contrair o vínculo empregatício), também aquela parcela de tempo (intervalo entre jornadas) em que seria livre para fazer o que lhe aprouvesse.

Assim, e desde logo manifestando respeito aos entendimentos em sentido contrário, penso que o entendimento do TST acerca da matéria está em sintonia com o que dispõe o dispositivo legal em causa.