segunda-feira, 21 de setembro de 2009

CLÁUSULA DE PERMANÊNCIA NO EMPREGO

Muito se tem discutido acerca da validade da exigência imposta ao empregado de permanecer no emprego por determinado lapso de tempo ou a reembolsar as despesas com a realização de cursos de aperfeiçoamento ou treinamento realizado no país ou no exterior. Os custos suportados pela empresa nesses casos chegam a ser de expressivamente monta, pois abrangem despesas com passagens, às vezes aéreas, hospedagem e com o preço do curso. Trata-se de prática comum no segmento offshore, em alguns casos para atender a condições estabelecidas em contratos de transferência de tecnologia e afins, nos quais é previsto o treinamento de pessoal da empresa receptora dos conhecimentos tecnológicos em estabelecimento da fornecedora no exterior.

Não há na legislação trabalhista qualquer norma a respeito da matéria, havendo quem sustente a nulidade da cláusula de permanência no emprego, por contrariar o princípio da liberdade de trabalho consagrado pelo art. 5º, XIII, da Constituição, segundo o qual é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Há, porém, decisões do Tribunal Superior do Trabalho reconhecendo a validade da cláusula:

Curso de especialização — obrigatoriedade de permanência no emprego ou de reembolsar as despesas — é harmônica com a legislação vigente e com os princípios de Direito do Trabalho, da realidade e da boa-fé, a cláusula consubstanciando a obrigação de o empregado permanecer na empresa, por período limitado de tempo, após feitura de curso custeado por esta, ou de reembolsá-la das despesas realizadas, caso, em retornando à prestação de serviços, venha a decidir pela resilição do contrato de trabalho. O ato é jurídico e perfeito, valendo notar que interpretação diversa implica em verdadeiro desestímulo aos avanços patronais no campo social. (TST, 1ª T., RR 103.913/94.3, Ac. 6.194/94, DJU 10.02.1995, Rel. Min. Ursulino Santos)


CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO - OBRIGATORIEDADE DE PERMANÊNCIA NO EMPREGO OU DE REEMBOLSAR AS DESPESAS - Um. "As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha as disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos (atualmente convenções coletivas) que lhes sejam aplicáveis e as decisões das autoridades competentes" - artigo quatrocentos quarenta e quatro, da Consolidação das Leis do Trabalho. (parêntesis nossos). Notar que interpretação diversa implica em verdadeiro desestímulo aos avanços patronais no campo social. Dois. Inexiste no ordenamento jurídico a execução especifica da obrigação de fazer - artigo seiscentos e trinta e oito, do Código de Processo Civil. Três. É harmônica com a legislação vigente e com os princípios de direito do trabalho – da realidade e da boa fé a clausula consubstanciando a obrigação de o empregado permanecer na empresa, por período limitado de tempo, após a feitura de curso custeado por esta, ou de reembolsá-la das despesas realizadas, caso, em retornando a prestação de serviços, venha a decidir pela resilição do contrato de trabalho. O ato é jurídico e perfeito, valendo. (TST –Pleno, ERR 2268, ac. 1859, de 1980, , DJ 31.10.1985, Rel. Min. Marco Aurélio)

A doutrina registra que, na Espanha, o Estatuto dos Trabalhadores dispõe, no seu art. 21.4, sobre o pacto de permanência, pelo qual o empregado que tenha se beneficiado de especialização profissional custeada pelo empregador, com a finalidade de executar projetos determinados ou realizar um trabalho específico, poderá ser contratualmente obrigado a permanecer no emprego pelo prazo máximo de dois anos, indenizando a empresa pelos prejuízos causados se não respeitar esse pacto. Há juristas que entendem possível a aplicação dessa norma pelo intérprete brasileiro, ante a omissão do ordenamento trabalhista brasileiro, como autoriza o art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho.

Embora o prazo máximo da legislação espanhola se afigure razoável, é preciso considerar que a fixação desse lapso de tempo pode acarretar conflitos indesejáveis às relações de trabalho, pois o empregado permanecerá no emprego a contragosto e isso poderá afetar sua produtividade ou o empenho necessário ao exercício satisfatório das suas funções habituais. Solução de equidade, também autorizada pelo art. 8º da CLT, seria a de se fixar esse prazo em um ano (virtus in medio, do latim: a virtude está no meio).

Igual solução há de ser dada em relação ao valor do reembolso correspondente ao aperfeiçoamento conferido ao empregado. O ressarcimento deve guardar proporcionalidade com os seus ganhos habituais, sob pena de se torná-lo materialmente impossível ou excessivamente gravoso para o trabalhador. Se os custos despendidos pela empresa forem muito elevados, o razoável é que sejam apenas parcialmente reembolsados, na medida da capacidade financeira do empregado.

Para que o pacto ou cláusula de permanência seja válido não é se afigura indispensável a sua previsão no contrato de trabalho celebrado com o empregado, tanto mais levando em consideração o fato de que esse contrato raramente assume a forma escrita, ante ao princípio da liberdade de forma consagrado no art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho. O simples ajuste verbal de tal obrigação, mesmo no curso da prestação laboral, parece suficiente. Todavia, como a cláusula versa situação excepcional, por restringir o direito potestativo do assalariado de se desligar do emprego, é recomendável que, para maior garantia das partes, a pactuação seja feita por escrito.

A cláusula em tela não prevalecerá, por óbvio, na ocorrência dos casos que autorizam o empregado a considerar resolvido o contrato de trabalho (despedida ou rescisão indireta), na forma do art. 483 da CLT, verbis:


Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
§ 1º - O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço.
§ 2º - No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho.
§ 3º - Nas hipóteses das letras "d" e "g", poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo.

Conclusões:

a) considera-se, em geral, válida a exigência de que o empregado beneficiado pela realização de cursos de aperfeiçoamento profissional pagos pela empresa permaneça no emprego por determinado lapso de tempo após a conclusão do curso, sob pena de, não o fazendo, ressarcir o empregador dos custos respectivos, por se constituir em ato jurídico perfeito, praticado em harmonia com a legislação vigente e os princípios do direito do trabalho, conforme decisões do Tribunal Superior do Trabalho acerca da matéria;

b) a legislação brasileira é omissa a respeito da matéria, de modo que os critérios adotados pelo empregador no tocante à fixação do prazo de permanência devem ser fixados segundo critérios de razoabilidade e proporcionalidade;

c) a pactuação pode ser feita verbalmente ou por escrito no curso da prestação laboral, sendo preferível a forma escrita para maior garantia das partes, especialmente considerando que a cláusula de permanência versa situação excepcional, por restringir o direito do empregado se desligar do emprego.

6 comentários:

  1. Olá Ayres,
    Gostaria de saber a validade de uma cláusula de permanência que foi apresentada apenas ao final do curso, sem ter sido mencionada em nenhum momento. Participei de um treinamento onde foram selecionadas algumas pessoas para participar de um "projeto piloto", nos foi dado um treinamento, e apenas na última semana do curso fomos informados sobre este termo de permanência.
    A princípio nos recusamos a assinar por não termos tido a opção de rejeitarmos fazer o curso se já soubéssemos disso com antecedência. Acabamos assinando o termo pois nos foi inferido que nossas chances de crescimento na empresa seriam prejudicadas caso nos negássemos.
    Agora surgiu uma oportunidade melhor para minha carreira e estou receosa em aceitar por conta disso, esse acordo seria válido nessa situação?
    Agradeço sua atenção.

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  2. Complementando, eles incluíram ainda uma cláusula: "Este Contrato tem força de título executivo extrajudicial, para fins de execução forçada, consoante previsto no artigo 566 do Código de Processo Civil"

    Que conseqüências esta cláusula pode trazer, a empresa pode enviar este termo como título para protesto em meu nome?

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  3. Cara Solange.
    Só hoje vi a sua mensagem.
    Farei uma nota sobre a sua consulta, sem citar nomes, no blog.
    Todavia, creio que, no caso relatado, a cláusula de permanência pode ter a sua validade discutida. É que a clásula foi imposta pela empresa ao final do curso e a sua assinatura, nas condições mencionadas, decorreu de coação patronal.
    Aliás, parece-me que há uma decisão recente do TST concluindo pela nulidade da cláusula em tais situações.
    Sds.
    Ayres

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  4. Boa Noite,
    Estou fazendo minha monografia sobre pacto de permanência, gostaria de saber se vc pode me informar alguns livros que tratam do assunto.
    Grata,

    Tarciana

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  5. O empregador pode descontar mensalmente dos empregados os valores dos cursos de qualificação?

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  6. Prezado Sr. Ayres, meu nome é Laura, li seu artigo e gostei muito, pois é claro e direto.
    no entanto, uma dúvida me surgiu: Seria válida tal cláusula de permanência quando se tratar de concurso público, como a estipulada pela petrobras? ou seja, não há previsão no edital do concurso e o curso de formação é parte parte integral do certame; ou seja, o candidato só logrará êxito no concurso se concluir o curso de formação. seria obrigatório o curso.
    Agradeço a atenção.

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